Que vitamina C, que nada! Nos últimos tempos, o ômega-3 ganhou um currículo de causar inveja nos demais nutrientes. Chegou inclusive a receber apelido carinhoso, “gordura do bem”. Sim, ele é uma gordura. Sua intocável reputação começou a ser construída nos anos 1970, quando estudiosos identificaram um menor risco cardíaco entre esquimós da Groenlândia, cuja dieta era composta essencialmente de peixes, baleias e focas – fontes naturais da substância. De lá pra cá, ela ganhou responsabilidade por outras façanhas, como resguardar a memória, ajudar na perda de peso, fortalecer o sistema imunológico, evitar olho seco, preservar a audição, afastar alguns tipos de câncer, tornar os ossos resistentes…
O efeito mais clássico creditado ao ômega-3, porém, foi e ainda é a proteção do peito – basicamente por sua destreza em combater processos inflamatórios, pano de fundo para o surgimento de males cardiovasculares. É com esse enfoque que o nutriente apareceu, no formato de cápsulas de óleo de peixe, em farmácias, lojas de produtos naturais e até na TV.
E nem precisa de prescrição médica para levar um pote para casa, já que o produto é registrado como alimento no Ministério da Saúde. No fim das contas, é como comprar filés de sardinha ou postas de salmão no mercado, certo? Pois é aí que a porca, ou melhor, o peixe, torce o rabo.
Até agora, não há certeza de que as cápsulas afastem, de fato, um infarto ou derrame. “Muitos estudos não conseguiram comprovar os achados positivos de trabalhos anteriores”, contextualiza a nutricionista Isabela Pimentel Mota, diretora científica do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. E na ciência é assim: um ou outro artigo não gera uma verdade absoluta. “Por isso, hoje não se indica a suplementação de ômega-3 como forma de prevenir doenças cardiovasculares”, crava.
Não é que o nutriente seja uma farsa. Longe disso. Ocorre que as pesquisas não identificaram em quais circunstâncias as pílulas seriam eficientes. Afinal, fatores como tipo de população recrutada, dose e tempo de uso, só para citar algumas variáveis, mudam de um experimento para outro.
“O que dá pra dizer com segurança é que duas porções de peixe por semana reduzem o risco de evento cardiovascular e mortalidade. Isso está mais evidente na literatura científica”, afirma Isabela. Ou seja, os alimentos – em especial os pescados – ainda são os melhores veículos para fornecer ao organismo EPA e DHA, as versões de ômega-3 mais vantajosas à saúde.
Agora, há situações específicas em que o uso das cápsulas de óleo de peixe faz sentido. “Para quem tem triglicérides alto, acima de 500 mg/dl, recomenda-se a suplementação de 2 a 4 gramas de ômega-3 por dia”, exemplifica a nutricionista Jacqueline Silva, do Hospital do Coração, na capital paulista. Detalhe: ele serve como um coadjuvante (e não ator principal) no plano para baixar as taxas. E, apesar de ser encontrado em qualquer esquina, deve ser prescrito por um médico ou nutricionista.
Devido ao seu potencial anti-inflamatório, o ômega-3 despertou interesse (e teve sucesso) em outras áreas. No último Ganepão, um dos maiores congressos de nutrição do país, o óleo de peixe foi destaque na palestra do neurofisiologista Fulvio Scorza, chefe da disciplina de neurociência da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Isso porque ele e sua equipe foram pioneiros em demonstrar, há cerca de dez anos, que a gordura tem grande utilidade para quem sofre de um tipo de epilepsia conhecido como refratária – nesse caso, os medicamentos para controlar as crises convulsivas não funcionam direito.
Na época, ele testou o efeito em cobaias e concluiu que o nutriente auxilia a conter a perda de neurônios e estimulava a formação de novas células nervosas. “Na prática, isso resultaria em menos crises”, explica Scorza.
Recentemente, sua teoria foi confirmada em pesquisa com pacientes de verdade, na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Na experiência, os indivíduos que tomaram 3 gramas de ômega-3 por dia tiveram uma redução de 34% na frequência das crises. Um ganho e tanto em uma conjuntura em que o tratamento clássico vacila, deixando as pessoas sujeitas a problemas decorrentes do descontrole da epilepsia, como morte súbita.
Nesse contexto, a suplementação é a via mais adequada – até para ofertar o valor de ômega-3 correto. Porém, a dieta também presta serviço. “Se o paciente não puder investir em um suplemento de qualidade, melhor ficar com a sardinha. De duas a três porções por semana são o suficiente”, afirma Scorza. Ambas as opções não dispensam os remédios receitados, cabe reforçar.
E quem não tem epilepsia, mas deseja dar guarida aos neurônios e manter a cachola em forma? Está aí um tópico que rende. Para ter ideia, uma pesquisa apontou que pacientes com Alzheimer tinham menos EPA e DHA no sangue do que pessoas sem a doença.
Uma boa pista. Só que aí, em outro trabalho, voluntários receberam as substâncias por seis meses. “A presença delas foi identificada no sangue, mas não houve melhora no declínio cognitivo. Exceto em um grupo com Alzheimer bem leve”, relata a nutricionista e farmacêutica Andrea Forlenza, diretora da Nutravie Consultoria Nutricional, em São Paulo.
Em idosos saudáveis, por sua vez, encontramos relatos de que o ômega-3 – em especial o DHA – atrasa a manifestação de falhas do cérebro. Parece contraditório, né? Pois os próprios cientistas anseiam por respostas. Acontece que, de novo, as características dos voluntários interferem no desenlace dos estudos, assim como a proporção entre EPA e DHA e o período de suplementação.
Fora que cada trabalho se debruça sobre um tipo de desfecho, dificultando a identificação da influência do óleo de peixe no cérebro. “Vários domínios fazem parte da cognição. Eles incluem atenção, memória, percepção, linguagem, compreensão e por aí vai”, lembra Andrea. Então, por ora, para turbinar as faculdades mentais, ela aconselha priorizar os alimentos ricos em ômega-3. “O suplemento pode ser indicado para quem já tem comprometimento cognitivo leve e Alzheimer ou tem risco maior para tais condições”, avalia.
Enquanto se discute o impacto do óleo de peixe no cérebro maduro, parece não existir dúvidas sobre sua contribuição na formação da massa cinzenta dos bebês. Tanto é que, em 2014, a Associação Brasileira de Nutrologia divulgou um consenso no qual preconiza a oferta de DHA, especialmente via suplementação, a mulheres nos dois últimos trimestres de gestação, durante a amamentação e até os 2 anos de vida da criança.
“Essa fração de ômega-3 é a mais associada ao desenvolvimento do sistema nervoso central”, justifica o pediatra Rubens Feferbaum, professor da Universidade de São Paulo. Isso porque ela impregna na membrana das células nervosas, fazendo a conversa entre os neurônios fluir perfeitamente.
Perdoe por soar como disco riscado, mas recorrer às cápsulas não é a única solução nem nessa fase. “A gestante também consegue DHA por meio da alimentação”, defende o nutricionista Dennys Cintra, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Aliás, para os especialistas, esse seria o melhor dos mundos. “Se a mulher não gostar de peixe, aí a cápsula entra na história”, diz.